Viver o bloquismo

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Tudo o que é escandaleira social e perversão dos costumes recai numa única categoria tão difusa quanto ameaçadora para os valores dominantes que designarei aqui por bloquismo. A “ideologia de género” e o “movimento woke” são apenas duas designações vazias, mas ideologicamente operantes, que não pretendem descrever qualquer realidade que seja não sendo a realidade de uma sociedade em marcha, em permanente mudança, e que põe em causa uma ideia de ordem que visa privilegiar os mesmos sujeitos de sempre: o tal homem branco heteronormativo, arquétipo de uma certa ideia de Ocidente e de Europa; uma ideia, enfim, de dominação patriarcal, racista e classista.

E o que acaba por ser ainda mais politicamente inspirador, emancipatório e libertário é que o bloquismo não contrapõe propriamente um ideário de valores a outro, uma representação estanque e única da sociedade a outra representação. Pelo contrário o que nos seduz no bloquismo é essa confrontação vigilante, inquieta, imparável e rebelde com todas as formas sociais que através da moral pretendem tornar a desigualdade e a limitação da liberdade civil num fenómeno “natural”.

O que atemoriza a mentalidade conservadora é essa ideia muito simples, e que o bloquismo transforma em força viva, em força material, constitutiva, e que é a ideia de que não há nada na sociedade que não esteja por ser construir, por se fazer. E, claro, a sociedade de hoje não é mais do que o produto da luta da sociedade de ontem. Também por isso o bloquismo não pode ser outra coisa que não progresso social, transformação permanente.

Bloquismo é então um outro nome para o desejo político de liberdade, a qual começa também pela libertação dos nossos corpos de todos os espartilhos que pretendem servir uma ideia particular de sociedade contra todas as sociedades possíveis. E o bloquismo não cessa nas “questões culturais” ou de costumes, naquilo a que um velho Marx pomposamente chamaria de “superestrutura”. O bloquismo é também um sintoma de libertação do trabalho, seu rol discricionário de deveres e suas hierarquias. Não apenas a luta pelo melhor salário, mas também a reivindicação de que há mais vida, muito mais vida, para além do trabalho, do mercado e/ou da economia.

O bloquismo, enfim, é também a expressão dessa “revolução copernicana” para uma significativa parte da esquerda de que o trabalho pode afinal não ser o centro das nossas vidas, que a sociedade se deve organizar não para a produção, para o crescimento infinito, mas para a improdutividade, para o lazer, para a inoperância. Por isso, sim, o bloquismo não pode alegremente deixar de ser sinónimo de preguiça, de fruição despreocupada do mundo.   

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