Resolvendo o desafio de um bilhão de linhas em Go (de 1m40s para 8,4s)

RMAG news

Há um tempo atrás, um amigo comentou comigo sobre um desafio que envolvia ler um arquivo com 1 bilhão de linhas. Achei a ideia muito interessante, mas como estava em semana de provas na faculdade, acabei deixando para ver isso depois. Meses depois, vi um vídeo do Theo sobre o desafio e resolvi dar uma olhada mais de perto.

O objetivo do One Billion Row Challenge é calcular a temperatura mínima, máxima e média de uma lista de cidades – o detalhe é que são 1 bilhão de itens nessa lista, onde cada item consiste do nome de uma cidade e uma temperatura, sendo que cada cidade pode aparecer mais de uma vez. or fim, o programa deve exibir esses valores em ordem alfabética pelo nome da cidade.

Achei que seria divertido tentar resolver o desafio, mesmo que não houvesse uma recompensa. Enfim, fiz este texto descrevendo o meu processo.

Primeira tentativa: fazendo o código funcionar

Sempre que preciso resolver um problema mais complicado, minha primeira meta é fazer o programa funcionar. Pode não ser o código mais rápido e nem o mais limpo, mas é um código que funciona.

Basicamente, criei a estrutura Location para representar cada cidade da lista, contendo a temperatura mínima, máxima, a soma das temperaturas e quantas vezes a cidade aparece na lista (esses dois últimos são necessários para calcular a média). Sei que existe uma maneira de calcular a média diretamente, sem precisar armazenar a quantidade de temperaturas e a soma delas. Mas, como mencionei anteriormente, o objetivo era fazer o código funcionar.

A lista de dados é formada pelo nome da cidade seguido pela temperatura, separados por um ponto e vírgula. Por exemplo:

Antananarivo;15.6
Iqaluit;-20.7
Dolisie;25.8
Kuopio;-6.8

O jeito mais simples para ler os dados é utilizando o Scan, que permite ler uma linha de cada vez. Com a linha, é possível dividi-la em duas partes: os valores antes e após o ponto e vírgula. Para obter a temperatura, é possível usar o strconv.ParseFloat, que converte uma string em um float. O código completo da primeira implementação pode ser visto abaixo:

package main

import (
“bufio”
“fmt”
“math”
“os”
“sort”
“strconv”
“strings”
)

type Location struct {
min float64
max float64
sum float64
count int
}

func NewLocation() *Location {
return &Location{
min: math.MaxInt16,
max: math.MinInt16,
sum: 0,
count: 0,
}
}

func (loc *Location) Add(temp float64) {
if temp < loc.min {
loc.min = temp
} else if temp > loc.max {
loc.max = temp
}

loc.sum += temp
loc.count += 1
}

var cpuprofile = flag.String(“cpuprofile”, “”, “write cpu profile to file”)

func main() {
flag.Parse()
if *cpuprofile != “” {
f, err := os.Create(*cpuprofile)
if err != nil {
log.Fatal(err)
}
pprof.StartCPUProfile(f)
defer pprof.StopCPUProfile()
}

file, _ := os.Open(“./measurements.txt”)
defer file.Close()

m := map[string]*Location{}

scanner := bufio.NewScanner(file)
for scanner.Scan() {
line := scanner.Text()
name, tempStr, _ := strings.Cut(line, “;”)
temp, _ := strconv.ParseFloat(tempStr, 32)

loc, ok := m[name]
if !ok {
loc = NewLocation()
m[name] = loc
}
loc.Add(temp)
}

keys := make([]string, 0, len(m))
for k := range m {
keys = append(keys, k)
}
sort.Strings(keys)

for _, name := range keys {
loc := m[name]
mean := loc.sum / float64(loc.count)
fmt.Printf(“%s: %.1f/%.1f/%.1fn, name, loc.min, mean, loc.max)
}
}

Essa versão mais simples levou aproximadamente 97 segundos para rodar.

Otimizando a conversão de strings para floats

Analisando o profile da execução, percebi que um dos maiores gargalos era a função strconv.ParseFloat. Basicamente, tempo total de execução dela foi de 23 segundos (aproximadamente 23% do tempo total).

O problema dessa função é que ela é genérica, ou seja, é feita para funcionar com qualquer float válido. Porém, nossos dados têm um formato de temperatura bem específico. Veja o exemplo abaixo:

Antananarivo;15.6
Iqaluit;-20.7
Dolisie;5.8
Kuopio;-6.8

O formato da temperatura é sempre o mesmo: um ou dois dígitos antes do ponto e um dígito após o ponto, podendo incluir um sinal de menos no inicio. Assim, podemos criar uma função que converte os valores de forma específica, otimizando o processo sem a necessidade de realizar todas as verificações genéricas do ParseFloat.

func bytesToTemp(b []byte) float64 {
var v int16
var isNeg int16 = 1

for i := 0; i < len(b)1; i++ {
char := b[i]
if char == ‘-‘ {
isNeg = 1
} else if char == ‘.’ {
digit := int16(b[i+1] ‘0’)
v = v*10 + digit
} else {
digit := int16(char ‘0’)
v = v*10 + digit
}
}

return float64(v*isNeg) / 10
}

Para ler os dados em formato de bytes em vez de string, alterei o retorno do Scanner de string para bytes

line := scanner.Bytes()
before, after, _ := bytes.Cut(line, []byte{‘;’})
name := string(before)
temp := bytesToTemp(after)

Essas pequenas mudanças fizeram o tempo de execução cair para 75 segundos.

Lendo pedaços maiores de dados

A maior vantagem de usar o Scan é que o programa não precisa carregar todo o arquivo de uma só vez na memória. Em vez disso, permite ler linha por linha, trocando desempenho por memória.

É importante ressaltar que existe um meio-termo entre ler uma linha por vez e carregar os 14 GB de dados de uma só vez. Esse meio termo é a leitura de chunks, que são pedaços de memória. Dessa forma, ao invés de ler todo o arquivo de uma vez, podemos ler blocos de 128 MB.

buf := make([]byte, chunkSize)
reader := bufio.NewReader(file)
var leftData []byte
for {
n, err := reader.Read(buf)
if err != nil {
if err == io.EOF {
break
}
panic(err)
}

chunk := append(leftData, buf[:n])
lastIndex := bytes.LastIndex(chunk, []byte{‘n’})
leftData = chunk[lastIndex+1:]

lines := bytes.Split(chunk[:lastIndex], []byte{‘n’})

for _, line := range lines {
before, after, _ := bytes.Cut(line, []byte{‘;’})
name := string(before)
temp := bytesToTemp(after)

loc, ok := m[name]
if !ok {
loc = NewLocation()
m[name] = loc
}
loc.Add(temp)
}
}

Com isso, o tempo de execução caiu para 70 segundos. Melhor que antes, mas ainda da para melhorar.

Alterando os tipos dos dados

É fato que todo o desafio gira em torno de números com casas decimais. Porém, lidar com pontos flutuantes é sempre um grande desafio (vide IEEE-754). Nesse caso, por que não usar inteiros para representar a temperatura?

type Location struct {
min int16
max int16
sum int32
count int32
}

Como definido anteriormente, uma temperatura é sempre representada por até três dígitos. Logo, removendo a vírgula, os valores podem variar entre -999 e 999, de modo que int16 é o suficiente para representá-los. Para a soma e a contagem, int32 é mais que o suficiente, visto que esse tipo pode variar entre -2147483648 e 2147483647.

Dado que agora esperamos um valor inteiro de 16 bits para a temperatura, precisamos modificar a função bytesToTemp. Para isso, mudamos o retorno para int16 e removemos a divisão no final. Assim, a função vai sempre vai retornar um número inteiro.

func bytesToTemp(b []byte) int16 {
var v int16
var isNeg int16 = 1

for i := 0; i < len(b)1; i++ {
char := b[i]
if char == ‘-‘ {
isNeg = 1
} else if char == ‘.’ {
digit := int16(b[i+1] ‘0’)
v = v*10 + digit
} else {
digit := int16(char ‘0’)
v = v*10 + digit
}
}

return v * isNeg
}

Para finalizar, modifiquei a função Add para aceitar os valores inteiros e ajustei o print para dividir os valores antes de mostrá-los na tela. Com isso, o tempo caiu três segundos, indo para 60 segundos. Não é muito, mas uma vitória é uma vitória.

Melhorando a Performance da Conversão de Bytes para String

Novamente analisando o profile, vi que tinha uma certa função chamada slicebytetostring que custava 13,5 segundos de tempo de execução. Analisando, descobri que essa função é a responsável por converter um conjunto de bytes em uma string (o próprio nome da função deixa claro isso). No caso, essa é a função chamada internamente quando se usa a função string(bytes).

Em Go, assim como na maioria das linguagens, strings são imutáveis, o que significa que não podem ser modificadas após serem criadas (normalmente, quando se faz isso, uma nova string é criada). Por outro lado, listas são mutáveis. Ou seja, quando se faz uma conversão de uma lista de bytes para string, é preciso criar uma cópia da lista para garantir que a string não mude se a lista mudar.

Para evitar o custo adicional de alocação de memória nessas conversões, podemos utilizar a biblioteca unsafe para realizar a conversão de bytes para string (Nota: ela é chamada de unsafe por um motivo).

name := unsafe.String(unsafe.SliceData(before), len(before))

Diferente do caso anterior, a função acima reutiliza os bytes passados para gerar a string. O problema disso é que, se a lista original mudar, a string resultante também será afetada. Embora possamos garantir que isso não ocorrerá neste contexto específico, em aplicações maiores e mais complexas, o uso de unsafe pode se tornar bem inseguro.

Com essa mudança, reduzimos o tempo de execução para 51 segundos. Nada mal.

Reimplementando bytes.Cut

Lembra que eu mencionei que as temperaturas sempre tinham formatos específicos? Então, segundo o profile da execução, que separa a linha em duas partes (nome da cidade e temperatura), custa 5.38 segundos para rodar. E refizermos ela na mão?

Para separar os dois valores, precisamos encontrar onde está o “;”. Como a gente já sabe, os valores da temperatura podem ter entre três e cinco caracteres. Assim, precisamos verificar se o caractere anterior aos dígitos é um “;”. Simples, não?

idx := 0
if line[len(line)4] == ‘;’ {
idx = len(line) 4
} else if line[len(line)5] == ‘;’ {
idx = len(line) 5
} else {
idx = len(line) 6
}

before := line[:idx]
after := line[idx+1:]

Com isso, o tempo de execução foi para 46 segundos, cerca de 5 segundos a menos que antes (quem diria, não é?).

Paralelismo para acelerar o processamento

Todo esse tempo, nosso objetivo foi tornar o código o mais rápido possível em um núcleo. Mudando coisas aqui e ali, diminuímos o tempo de 97 segundos para 46 segundos. Claro, ainda daria para melhorar o tempo sem ter que lidar com paralelismo, mas a vida é curta demais para se preocupar com isso, não é?

Para poder rodar o código em vários núcleos, decidi usar a estrutura de canais nativa do Go. Além disso, também criei um grupo de espera que vai indicar quando o processamento dos dados terminaram.

Vale destacar que workers, nesse caso, é uma constante que define quantas goroutines serão criadas para processar os dados. No meu caso, são 12, visto que eu tenho um processador com 6 núcleos e 12 threads.

chunkChan := make(chan []byte, workers)
var wg sync.WaitGroup
wg.Add(workers)

O próximo passo foi criar as goroutines que serão responsável por receber os dados do canal e processá-los. A lógica de processamento dos dados é semelhante ao modelo single thread.

for i := 0; i < workers; i++ {
go func() {
for chunk := range chunkChan {
lines := bytes.Split(chunk, []byte{‘n’})
for _, line := range lines {
before, after := parseLine(line)
name := unsafe.String(unsafe.SliceData(before), len(before))
temp := bytesToTemp(after)

loc, ok := m[name]
if !ok {
loc = NewLocation()
m[name] = loc
}
loc.Add(temp)
}
}
wg.Done()
}()
}

Por fim, o código responsável por ler os dados do disco e enviá-los ao canal:

for {
n, err := reader.Read(buf)
if err != nil {
if err == io.EOF {
break
}
panic(err)
}

chunk := append(leftData, buf[:n])
lastIndex := bytes.LastIndex(chunk, []byte{‘n’})
leftData = chunk[lastIndex+1:]
chunkChan <- chunk[:lastIndex]
}
close(chunkChan)
wg.Wait()

Vale ressaltar que os mapas em Go não são thread-safe. Isso significa que acessar ou alterar dados no mesmo mapa de forma concorrente pode levar a problemas de consistência ou erros. Embora não tenha observado problemas durante meus testes, vale a pena tratar esse problema.

Uma das maneiras de resolver esse problema seria criar um mecanismo de trava para o mapa, permitindo que somente uma goroutine consiga utilizá-lo por vez. Isso, claro, poderia tornar a execução um pouco mais lenta.

A segunda alternativa consiste em criar um mapa para cada uma das goroutines, de modo que não vai existir concorrência entre elas. Por fim, os mapas são colocados em um novo canal e os valores do mapa principal calculados a partir deles. Essa solução ainda vai ter um custo, mas vai ser menor que a anterior.

close(chunkChan)

go func() {
wg.Wait()
close(mapChan)
}()

keys := make([]string, 0, 825)

m := map[string]*Location{}
for lm := range mapChan {
for lk, lLoc := range lm {
loc, ok := m[lk]
if !ok {
keys = append(keys, lk)
m[lk] = lLoc
continue
}

if lLoc.min < loc.min {
loc.min = lLoc.min
}
if lLoc.max > loc.max {
loc.max = lLoc.max
}
loc.sum += lLoc.sum
loc.count += lLoc.count
}
}

Além disso, como o processamento passou a ser distribuído entre diferentes núcleos, diminui o tamanho do chunk de 128 MB para 2 MB. Cheguei nesse número testando vários valores, tendo entre 1 MB e 5 MB os melhores resultando. Na média, 2 MB obteve o melhor desempenho.

Enfim, o nosso tempo de processamento caiu de 46 segundos para… 12 segundos.

Otimizando a quebra de linhas no chunk

Todas as vezes que eu analisava o profile, a função bytes.Split chamava a minha atenção. O tempo de execução dela era de 16 segundos (tempo total, considerando todas as goroutines), o que parece justo, visto que ela é responsável por quebrar um chunk em linhas. No entanto, parecia um trabalho dobrado, dado que ela primeiro quebra as linhas para, em seguida, as linhas serem lidas uma a uma. Por que não fazer ambos ao mesmo tempo?

Minha abordagem foi percorrer o chunk e verificar se o byte atual correspondia a um n. Dessa forma, consegui percorrer todas as linhas ao mesmo tempo em que as quebrava, processando em seguida.

start := 0
start := 0
for end, b := range chunk {
if b != ‘n’ {
continue
}
before, after := parseLine(chunk[start:end])
// …
start = end + 1
}

Com essa simples mudança, o tempo de execução caiu para aproximadamente 9 segundos.

Executed in 8.45 secs fish external
usr time 58.47 secs 152.00 micros 58.47 secs
sys time 4.52 secs 136.00 micros 4.52 secs

Próximos passos

Atualmente, o maior gargalo da aplicação é o mapa. Somando todas as operações de leitura e escrita, são 32 segundos (de longe, o tempo mais alto). Talvez criar um algoritmo de hash mais eficiente resolva? Fica como ideia para o futuro.

No mais, conseguimos diminuir o tempo de 1 minuto e 40 segundos para quase 8 segundos, sem usar qualquer biblioteca externa. Além disso, tentando fazer a aplicação ficar cada vez mais rápida, me fez aprender muita coisa.

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