À Conversa sobre Livros com Fabíola Cardoso

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Fonte inesgotável de conhecimento e prazer,  poderosa ferramenta de influência e transformação política, a leitura e a liberdade intelectual chegam até a ser censuradas por regimes repressivos, ditatoriais e totalitaristas, levando a que a informação, o espírito crítico sejam negados a grande parte das pessoas. 

Em pleno século XXI, assistimos cada vez mais a discursos de ódio, à propagação do medo e de conteúdos de desinformativos quanto a questões de género e sexualidade. Na Europa, EUA, Brasil e um pouco por todo o mundo, assiste-se à criação de campanhas de proibição de livros de temática LGBTQIA+. Com base em justificações de “promoção da homossexualidade” ou da “propaganda da ideologia de género”, grupos ideológicos conservadores mostram atentar a autodeterminação, a liberdade de expressão, a autodescoberta e visibilidade das experiências de pessoas LGBTQIA+.

Recordando a célebre frase de Oscar Wilde, preso numa altura em que a homossexualidade era considerada como vício e decadência, diria: “Não existem livros morais ou imorais. Os livros ou são bem escritos ou não.”

Reconhecendo a importância da leitura e da educação para as temáticas de igualdade e não discriminação, pretendemos conhecer as estantes Queer e Feministas de algumas personalidades portuguesas. De forma a partilhar novos mundos que os livros encerram, questionamos:

Qual o livro que mais a marcou/influenciou pessoal e profissionalmente?

Houve um livro em especial, há muitos anos atrás, que transformou profundamente a minha vida. Chamava-se Outras Mulheres, por Lisa Alter, da Editorial Presença, no longínquo ano de 1988. Foi a primeira vez que li um livro sobre a história de uma mulher lésbica. Uma história marcada pelos duros obstáculos pessoais e sociais da época, mas ainda assim, uma visão de esperança e futuro, para a miúda de 16 anos que eu era. Esse livro acompanha o processo terapêutico da personagem principal, uma enfermeira, mãe de dois filhos, em crise consigo mesma, com o trabalho e com a companheira. Foi para mim também uma terapia, um confronto com a minha orientação sexual ainda pouco assumida, o vislumbrar das dificuldades futuras, a decisão de ser visível. Percebi, nessas páginas, que era possível existir enquanto lésbica. A minha família, a sociedade, a escola, a televisão…. Não tinham conseguido, até esse momento, mostrar-me essa possibilidade. Só mais tarde percebi que esconder dos jovens essa parte, da rica e diversa experiência humana, era um elemento essencial do sistema sociopolítico vigente. Profissionalmente adorei A Prodigiosa Aventura das Plantas, de Jean Marie Pelt e Jean Pierre Cuny. Um clássico que acompanha a (muito queer) aventura sexual das plantas ao longo da sua evolução.

Algum autor/a com que se identifica mais e que segue há mais tempo?

Saramago, Mia Couto, Sepúlveda são aqueles autores que mais se repetem na minha mesa de cabeceira.

Qual a leitura que acompanha e recomendaria aos nossos leitores?

Nem Pai Nem Mãe, de Christian Geffray, um ensaio antropológico sobre o parentesco e a filiação numa sociedade não patriarcal. Essencial para desconstruirmos repetidamente os processos de doutrinamento heterossexista a que fomos sujeitos. Nomeadamente aqueles que dizem respeito a uma das maiores armas de opressão das mulheres: a maternidade. Mas também Dysphoria Mundi, de Paul B Preciado. Um murro no estômago. Muitos murros no estômago. A dolorosa lucidez. Dentro e fora. Agora e depois. Caminho Covid. Coragem e beleza. A transição planetária que atravessamos, todes: um futuro não binário.

Fabíola Cardoso, 50 anos. Nascida em Angola,  Beirã de criação e de coração. Mãe de dois jovens santarenos emigrantes. Ecoqueer em construção. Ativista LGBTI+. Co-fundadora da primeira e ainda única, associação lésbica portuguesa, o Clube Safo, em 1996. Participou na organização da 1ª Marcha LGBT+ de Lisboa, em 2000 e de Santarém, em 2020. Ativista na luta pela co-adoção, em 2013. Feminista. Envolvida em 2000 na Marcha Mundial das Mulheres e na luta pelo direito à Interrupção Voluntária da Gravidez em 2004. Contribuiu para a condenação do Estado Português, em 2009, pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por uso excessivo da força nessa situação. Sindicalista no SPGL e Professora ainda feliz de Ciências Naturais , há mais de 25 anos. Ambientalista em transição
Dinamizadora de Clubes e Projetos no âmbito da Educação Ambiental e Experimental. Defendendo principalmente o primeiro R, reduzir!  Militante do Bloco de Esquerda, desde o nascimento do partido. Eleita para a Assembleia Muncipal de Santarém, nas Autárquicas de 2013. Candidata ao Parlamento Europeu em 2014, na lista de Marisa Matias. Deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, entre 2019 e 2021, responsável pelos assuntos LGBTIQ +.  Otimista, apreciadora de pão e vinho, não abdica de limpar a sua casa. Gostaria de deixar aos seus netos uma pequena floresta na Beira Baixa.

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