Saber e poder 

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Sim, saber é poder, mas há uma forma particularmente eficaz de exercício de poder que se confunde com o “saber” e que passa pela capacidade de impor o discurso, de colocar em funcionamento uma máquina discursiva onde a retórica, a lógica e a argumentação se entrelaçam e se potenciam mutuamente. Particularmente poderoso é quem consegue produzir uma caixa de argumentos pronta a ser replicada pelos seus seguidores. E afinal onde vamos muitas vezes buscar as nossas opiniões, baseadas em x número de argumentos, para defendermos esta ou aquela posição política em detrimento desta ou daquela posição política? Não precisa de ser reconhecido como um “intelectual público” (e poderá ser outra coisa o intelectual se não um intelectual “público”?) para alguém, um líder, ter essa capacidade peculiar, esse poder, de forjar o argumentário que vai ser simplesmente reproduzido, sem requerer qualquer capacidade crítica, por aqueles que a este aderem ou desejam aderir, num espírito de grupo para o qual a circulação e consolidação das ideias é essencial. É verdade que esta autoridade para a produção do discurso é como que preconfigurada de acordo com a constelação ideológica em que o ideólogo se situa, mas nem por isso o mesmo tem de deixar de ser argumentativamente ágil e adaptar a ideologia a cada problema em concreto. Assumamos apenas que os herdeiros ideológicos de Marx nunca poderiam sobreviver apenas daquilo que o autor do Capital escreveu durante o século XIX; que as transformações contínuas da nossa sociedade lançam sucessivamente novos desafios a quem continua a se assumir como socialista ou comunista. A grande vantagem de alguém conseguir definir o discurso, fixar a pauta ideológica pela qual os seus apoiantes se irão guiar, é, antes de tudo, económica, de economia do pensamento ou do intelecto. A partir do momento em que alguém define as premissas é dispensado todo o esforço de crítica das mesmas. E a luta política expressa na luta pela tomada de posição, pelo triunfo da opinião, não se compadece com a temporalidade, digamos, filosófica; com o tempo de maturação que é exigido ao pensamento crítico. Saber parar na replicação dogmática da ideia, suspender a transmissão do discurso, é também essencial para não corrermos o risco dos nossos cérebros serem reduzidos à cibernética função de transmissores da ideologia. Principalmente se abraçarmos a causa revolucionária. É entre as exigências de celeridade de resposta face à definição da “opinião correta” e a capacidade de colocarmos os “factos ideológicos” dentro do horizonte revolucionário (nomeadamente de emancipação intelectual coletiva) que se joga toda a nossa autonomia enquanto sujeitos políticos.

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